I-Juca Pirama
Antônio Gonçalves Dias 1823 (Caxias) – 1864 (Guimarães)
I
No meio das tabas de amenos verdores,
Cercadas de troncos — cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos d’altiva nação;
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,
Temíveis na guerra, que em densas coortes
Assombram das matas a imensa extensão.
São rudos, severos, sedentos de glória,
Já prélios incitam, já cantam vitória,
Já meigos atendem à voz do cantor:
São todos Timbiras, guerreiros valentes!
Seu nome lá voa na boca das gentes,
Condão de prodígios, de glória e terror!
As tribos vizinhas, sem forças, sem brio,
As armas quebrando, lançando-as ao rio,
O incenso aspiraram dos seus maracás:
Medrosos das guerras que os fortes acendem,
Custosos tributos ignavos lá rendem,
Aos duros guerreiros sujeitos na paz.
No centro da taba se estende um terreiro,
Onde ora se aduna o concílio guerreiro
Da tribo senhora, das tribos servis:
Os velhos sentados praticam d’outrora,
E os moços inquietos, que a festa enamora,
Derramam-se em torno dum índio infeliz.
Quem é? — ninguém sabe: seu nome é ignoto,
Sua tribo não diz: — de um povo remoto
Descende por certo — dum povo gentil;
Assim lá na Grécia ao escravo insulano
Tornavam distinto do vil muçulmano
As linhas corretas do nobre perfil.
Por casos de guerra caiu prisioneiro
Nas mãos dos Timbiras: — no extenso terreiro
Assola-se o teto, que o teve em prisão;
Convidam-se as tribos dos seus arredores,
Cuidosos se incumbem do vaso das cores,
Dos vários aprestos da honrosa função.
Acerva-se a lenha da vasta fogueira,
Entesa-se a corda de embira ligeira,
Adorna-se a maça com penas gentis:
A custo, entre as vagas do povo da aldeia
Caminha o Timbira, que a turba rodeia,
Garboso nas plumas de vário matiz.
Entanto as mulheres com leda trigança,
Afeitas ao rito da bárbara usança,
O índio já querem cativo acabar:
A coma lhe cortam, os membros lhe tingem,
Brilhante enduape no corpo lhe cingem,
Sombreia-lhe a fronte gentil canitar.
II
Em fundos vasos d’alvacenta argila ferve o cauim;
Enchem-se as copas, o prazer começa, reina o festim.
O prisioneiro, cuja morte anseiam, sentado está,
O prisioneiro, que outro sol no ocaso jamais verá!
A dura corda, que lhe enlaça o colo, mostra-lhe o fim
Da vida escura, que será mais breve do que o festim!
Contudo os olhos d’ignóbil pranto secos estão;
Mudos os lábios não descerram queixas do coração.
Mas um martírio, que encobrir não pode, em rugas faz
A mentirosa placidez do rosto na fronte audaz!
Que tens, guerreiro? Que temor te assalta no passo horrendo?
Honra das tabas que nascer te viram, folga morrendo.
Folga morrendo; porque além dos Andes revive o forte,
Que soube ufano contrastar os medos da fria morte.
Rasteira grama, exposta ao sol, à chuva, lá murcha e pende:
Somente ao tronco, que devassa os ares, o raio ofende!
Que foi? Tupã mandou que ele caísse, como viveu;
E o caçador que o avistou prostrado esmoreceu!
Que temes, ó guerreiro? Além dos Andes revive o forte,
Que soube ufano contrastar os medos da fria morte.
III
Em larga roda de novéis guerreiros
Ledo caminha o festival Timbira,
A quem do sacrifício cabe as honras.
Na fronte o canitar sacode em ondas,
O enduape na cinta se embalança,
Na destra mão sopesa a ivirapeme,
Orgulhoso e pujante. — Ao menor passo
Colar d’alvo marfim, insígnia d’honra,
Que lhe orna o colo e o peito, ruge e freme,
Como que por feitiço não sabido
Encantadas ali as almas grandes
Dos vencidos Tapuias, inda chorem
Serem glória e brasão d'imigos feros.
“Eis-me aqui, diz ao índio prisioneiro;
“Pois que fraco, e sem tribo, e sem família,
“As nossas matas devassaste ousado,
“Morrerás morte vil da mão de um forte.”
Vem a terreiro o mísero contrário;
Do colo à cinta a muçurana desce:
“Dize-nos quem és, teus feitos canta,
“Ou se mais te apraz, defende-te.” Começa
O índio, que ao redor derrama os olhos,
Com triste voz que os ânimos comove.
IV
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo Tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Já vi cruas brigas,
De tribos imigas,
E as duras fadigas
Da guerra provei;
Nas ondas mendaces
Senti pelas faces
Font size:Submitted on May 13, 2011
Modified on March 05, 2023
- 3:36 min read
- 98 Views
Quick analysis:
Scheme aabaab ccdaad bbaeea ccacca ffghhg ccbaab ccaffa ccceec eefd eebb aaff fFff iafF acaacea cefaea ccff bafcai FIaafx fffaffFI aaaiac Closest metre Iambic heptameter Characters 4,306 Words 720 Stanzas 20 Stanza Lengths 6, 6, 6, 6, 6, 6, 6, 6, 4, 4, 4, 4, 4, 7, 6, 4, 6, 6, 8, 6
Translation
Find a translation for this poem in other languages:
Select another language:
- - Select -
- 简体中文 (Chinese - Simplified)
- 繁體中文 (Chinese - Traditional)
- Español (Spanish)
- Esperanto (Esperanto)
- 日本語 (Japanese)
- Português (Portuguese)
- Deutsch (German)
- العربية (Arabic)
- Français (French)
- Русский (Russian)
- ಕನ್ನಡ (Kannada)
- 한국어 (Korean)
- עברית (Hebrew)
- Gaeilge (Irish)
- Українська (Ukrainian)
- اردو (Urdu)
- Magyar (Hungarian)
- मानक हिन्दी (Hindi)
- Indonesia (Indonesian)
- Italiano (Italian)
- தமிழ் (Tamil)
- Türkçe (Turkish)
- తెలుగు (Telugu)
- ภาษาไทย (Thai)
- Tiếng Việt (Vietnamese)
- Čeština (Czech)
- Polski (Polish)
- Bahasa Indonesia (Indonesian)
- Românește (Romanian)
- Nederlands (Dutch)
- Ελληνικά (Greek)
- Latinum (Latin)
- Svenska (Swedish)
- Dansk (Danish)
- Suomi (Finnish)
- فارسی (Persian)
- ייִדיש (Yiddish)
- հայերեն (Armenian)
- Norsk (Norwegian)
- English (English)
Citation
Use the citation below to add this poem to your bibliography:
Style:MLAChicagoAPA
"I-Juca Pirama" Poetry.com. STANDS4 LLC, 2024. Web. 21 May 2024. <https://www.poetry.com/poem/3551/i-juca-pirama>.
Become a member!
Join our community of poets and poetry lovers to share your work and offer feedback and encouragement to writers all over the world!
The Web's Largest Resource for
Poets, Poems & Poetry
A Member Of The STANDS4 Network
May 2024
Poetry Contest
Join our monthly contest for an opportunity to win cash prizes and attain global acclaim for your talent.
10
days
15
hours
15
minutes
Special Program
Earn Rewards!
Unlock exciting rewards such as a free mug and free contest pass by commenting on fellow members' poems today!
Quiz
Are you a poetry master?
»What are the first eight lines of a sonnet called?
A
octave
B
octopus
C
octane
D
octet
Discuss the poem I-Juca Pirama with the community...
Report Comment
We're doing our best to make sure our content is useful, accurate and safe.
If by any chance you spot an inappropriate comment while navigating through our website please use this form to let us know, and we'll take care of it shortly.
Attachment
You need to be logged in to favorite.
Log In